«Homenagem ao honesto Pedro Correia vigilante da Prosegur
A história conta-se em breves palavras e a sua moral é algo que todos sabemos desde que nascemos: a seriedade de uma pessoa não tem a ver com a sua condição, estatuto social ou educação. É estrutural e exemplos como o deste simples vigilante merecem mais medalhas no 10 de Junho do que muita gente que as recebe.
Não sei quem é Pedro Correia, nunca o vi. Nem sequer sei se ele continua a ser vigilante e a trabalhar na Prosegur. Também não faço ideia se ele já cometeu ilícitos ou não. Apenas conheço a história que li (no "Público" de ontem) e, como todas as histórias de que apenas temos conhecimento parcelar, também esta só pode ser encarada como exemplar no seu sentido metafórico.
Manuel Godinho, o sucateiro de Ovar recém-condenado em 1ª Instância pelo Tribunal de Aveiro, subornou, de acordo com a sentença, diversas pessoas. Entre elas (e socorro-me sempre da sentença com a consciência de que há recursos e de que nada transitou em julgado), pessoas com elevado estatuto social e político. Pessoas educadas, licenciadas, umas à pressa, outras não. Licenciados, inclusive, em Direito, a quem é mais difícil argumentar com o desconhecimento da lei. Mas houve uma pessoa que Godinho quis subornar e não conseguiu. Apesar de ser o "rei da sucata", amigo de Vara e de Lopes Barreira que eram "tu cá tu lá" com o então primeiro-ministro José Sócrates, apesar de ter oferecido um Mercedes SL500 ao marido da prima do então líder do PS e chefe do Governo, habituado, pois, Godinho em subornar quem se lhe atravessasse à frente (salvo Ana Paula Vitorino, secretária de Estado, que cumpriu o seu dever e que, em abono da verdade, não foi reconduzida no lugar), Godinho, impante de poder (sempre seguindo a sentença) quis que um simples vigilante da Prosegur que guardava a subestação do Alto Mira da REN na Amadora, fechasse os olhos a uma pequena vigarice.
Estendeu a mão, onde iam 20 euros, a Pedro Correia, mas este recusou a nota. E não só recusou como participou o sucedido aos seus superiores na empresa e a um responsável pela subestação.
A ideia era Pedro Correia não notar que os talões de pesagem das camionetas de Godinho eram manipulados, falsificados. Os camiões, apesar de quase vazios, tinham talões como se fossem muito carregados.
Durante um mês Pedro Correia regista por iniciativa própria todos os movimentos, incluindo a identificação dos condutores. E nada coincidia - nem os pesos nem as horas de saída e de regresso, porque Godinho, conseguindo subornar alguém na GNR, não era fiscalizado nem pela polícia e também não o era pela REN. Podia facturar o que quisesse.
Pedro Correia tem azar na pessoa que escolhe para efectuar a denúncia. O responsável da gestão de contratos da REN também fazia parte da rede de contactos do sucateiro. Mas não desiste e continua a vigiar, que era a sua função. Consegue interromper a falcatrua, mas depois de uma sucessão de reuniões entre senhores importantes, a empresa de Godinho consegue facturar as pesagens falsas.
A participação de Pedro Correia termina aqui. Como disse não sei o que lhe aconteceu. Mas, assim como os tribunais devem castigar quem prevarica, deve o Estado recompensar (nem que apenas moralmente) quem cumpre com tanto escrúpulo o seu dever.
Por mim, que nada tenho a ver com o caso, sinto que lhe devia esta homenagem.»
[Henrique Monteiro, in "Expresso Diário", edição 15 Set. '14].